A essa altura do campeonato, com o Oscar batendo à porta, é provável que você já tenha assistido Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Ou, pelo menos, tenha alguns bons amigos tentando te evangelizar a assistir esse filme.
Mas, se você ainda não assistiu, vá sabendo o mínimo possível. Eu vou só deixar uma sinopse bem simplória aqui e todo o resto do texto fica por sua conta e risco, ok? Ok.
O filme gira em torno de Evelyn Wang (Michelle Yeoh), dona de uma lavanderia que caiu na malha fina e pode ir à falência caso a auditora do imposto de renda Deirdre (Jamie Lee Curtis) multe a família. Evelyn também precisa lidar com uma crise familiar com seu marido Waymond (Ke Huy Quan) e com a filha Joy (Stephanie Hsu). Também cuida seu pai doente Gong-Gong (James Hong), com quem tem uma relação conturbada. Ou seja, essa mulher está a beira de um ataque de nervos.
No meio disso ela ainda descobre que existem multiversos. Pronto. É mais do que você precisa saber para dedicar seu tempo e assistir a esse filme intenso e encantador. Mais do que uma anarquia de coerência, esse filme mexeu comigo em um nível muito intrínseco e é sobre isso que essa “”resenha”” (entre muitas aspas) vai falar.
Não quero tornar este mais um post sobre a minha depressão, mas o título não mente: Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo foi uma catarse terapêutica. Sim, é um filme megalomaníaco sobre multiversos com cenas de luta muito doidas, mas é também um drama sobre uma família disfuncional, problemas de mãe e filha e sobre como “cada escolha na vida é uma renúncia” (e aqui estou claramente emprestando um dos clichês do meu pai). E tudo de forma caótica, justaposta e intensa.
Porque, no fim das contas, o caos infinito do multiverso é igualzinho ao caos que existe dentro de cada um de nós.
E esse caos, especialmente somado à falta de controle que temos sobre os acontecimentos da vida, assusta. Eu sei bem o que é se sentir sugada por um bagel, como a Joy. Também penso (mais do que deveria, talvez?) que a vida não tem sentido algum e adoraria poder materializar toda a minha depressão em um item de padaria para simplesmente dissociar esse vazio existencial que insiste em me preencher.
A relação entre mãe e filha é outro ponto que me pega bastante. Passei a vida inteira achando que tinha traumas por conta do meu pai, mas quanto mais terapia eu faço, mais percebo a presença da minha mãe na minha necessidade de aprovação. Não que meu pai esteja ileso nessa história, veja bem… É muito mais uma questão de me pegar justificando, inconscientemente, que “Meus pais carregam traumas por conta dos seus pais e eles passaram traumas pra mim. Mas fizeram isso dando o seu melhor”. Pensar freneticamente nisso e chegar à conclusão de que ainda assim eu carrego essas dores e preciso lidar com elas tende a me afastar deles. Faz com que eu não saiba colocar em palavras e me sinta mal por todas as emoções que tento reprimir.
Talvez por isso eu tenha me emocionado tanto com o embate entre Evelyn e Joy. Assim como a filha, eu também busco aprovação e compreensão da minha mãe.
Agora, falando sério. Você também chorou na cena das pedras?
Queria tanto, mas tanto ter visto essa cena pela primeira vez nos cinemas… Um mundo onde as condições não foram favoráveis à vida e ambas são pedras é o lugar onde Joy se sente mais em paz. O silêncio, cara. Não há nada como os meus fones de ouvido com cancelamento de ruído enquanto tento desviar das pessoas e situações e me encaixar na rotina da vida.
Mas ela não está mais sozinha neste lugar. E ter a presença da sua mãe ali, em um espaço tão íntimo é um sinal de vulnerabilidade enorme. Enquanto elas discutem sobre a insignificância da vida e todas essas coisas, as duas compartilham uma risada. Porque amar os seus pais é isso: é complexo, cheio de traumas, mas às vezes, por alguns instantes a gente apara todas as arestas.
O amor perturba o vazio existencial. O amor é mais caótico que o próprio caos: ele interfere até mesmo numa cena em silêncio, de duas pedras conversando. Porque somos pequenos diante do mundo, sim, mas nosso amor é gigante de uma forma que atravessa multiversos.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo abraça todas as contradições de estar vivo pra reforçar que existem bons momentos mesmo diante da dor da existência. E que isso não é incoerente… É humano.
4 comentários
Eu ando meio morta quando o assunto é filmes e sei que grande parte é o meu medo de sair da zona de conforto e de me sentir pior do que já estou. Mas eu gosto tanto de como você escreve que até fiquei animada pra assistir (não prometo nada rs). Mas venho aqui me solidarizar e dizer que você não está sozinha tentando aceitar seus pais e todo esse dilema que é viver. Espero muito que você consiga encontrar paz ♥
Menina, eu confesso que tô assim com livros, parece até que desaprendi a ler. Comecei a reler “Conversas entre amigos”, que gosto bastante, pra tentar tirar essa trava. E poxa, obrigada! Fico feliz de verdade que a minha resenha que não é bem uma resenha tenha até te animado a assistir o filme. ♥ Ele é muito doido e megalomaníaco, mas é divertido e emocionante.
Gosto tanto de poder visitar o seu blog!
Assim como você, eu entrei no fã-clube deste filme. Eu, que tendo a ficar agoniada com o caos, encontrei paz na infinitude abordada. No fim das contas, alguns processos lógicos estão apenas na nossa mente e transmitir isso é um desafio, porque cada um tem a sua própria linguagem do trauma. O silêncio externo e o grito interno dançam uma valsa, tentando trocar de lugar.
Não sei se o que eu digo faz sentido. Mas saiba que é muito bom te ler. Gostaria de te dar um abraço!
Awn, obrigada! ♥♥♥ Gosto muito de ainda ter esse espacinho online, minha casa pra guardar uns pensamentos soltos e o que mais der vontade. É bom saber que mais gente se sente à vontade aqui!
Cara, esse filme mexeu muito comigo! Num nível que eu nem sei se fiz justiça com esse post, mas foi um, abraço quentinho em meio a risos e lágrimas. E tudo que você falou fez muito sentido sim, eu também estou tentando abrir mão do controle e deixar o caos fluir, ser mais gentil comigo mesma nesse processo.
PS: Adoro abraços!