o primeiro comeback de k-pop a gente nunca esquece

por Yasmin Wilke

(Foto: Reprodução – Big Hit Entertainment)

Como comentei no meu retorno ao mundo dos blogs, 2020 foi o ano em que o k-pop salvou a minha saúde mental. Mais especificamente, foi um dos motivos pelos quais minha saúde mental não escorreu pelo ralo por completo.

Correndo o risco de soar monotemática, já que esse assunto domina minha curadoria de RTs e likes no Twitter, ao mesmo tempo que levanto aos mãos aos céus e agradeço a existência desse espaço que existe única e exclusivamente para que eu despeje o-que-der-vontade no mundinho da Internet, BTS ocupa grande parte do meu tempo livre desde o começo de junho, quando a Letícia me enviou um áudio dizendo que estava lentamente (HAHAHAHAHA) se tornando fã do grupo.

Uma coisa que vocês precisam entender sobre a nossa amizade é que eu e Letícia somos praticamente a mesma pessoa. O gif do minharanha já virou piada velha e a gente nem finge surpresa com as coincidências da vida, gostos em comum, frustrações divididas e tudo o mais. Resumindo toscamente, vivemos vidas diferentes na mesma sintonia. Nada mais natural do que dividir mais uma obsessão.

E eu já tinha todo o potencial pra abraçar essa obsessão. Veja bem, nunca tratei o k-pop como um bicho de sete cabeças, um estereótipo idiota que reproduzem por aí. Além do famigerado “tenho até amigos que são fãs”, sou uma pessoa curiosa. Para alguém que não acompanhava grupo algum, gastei uma quantia considerável de tempo assistindo a vídeos explicando as origens do k-pop e os conceitos de cada grupo, ouvia podcasts sobre o tema esporadicamente e já me peguei lendo matérias e artigos de Wikipédia sobre diversos grupos para passar o tempo.

Com plena consciência da minha facilidade de ficar obcecada, eu evitava me envolver demais. A forma com que grupos de k-pop, num geral, alimentam os fãs com conteúdo é muito mais intensa e eu sabia que não sairia da toca do coelho facilmente. É um grande banquete de lives, reality shows, entrevistas em revistas e programas de tv, shows e o que mais você quiser adicionar na lista. Sempre tem algo novo pra ver, ouvir, saber, comprar, conhecer…

Mas anos de autoconhecimento me seguravam. Eu não podia simplesmente jogar tudo pro alto pra acompanhar as novidades, sabe? Ou podia? No máximo, colocava Loona para tocar enquanto trabalhava e acompanhava alguns perfis no Twitter de amigos e colegas que curtiam alguns artistas.

O áudio da Letícia foi o empurrãozinho que eu precisava para minha pré-disposição ao k-pop. Até porque, é muito mais divertido embarcar nessa experiência com uma das suas melhores amigas, né?

Adolescência tardia?

“Como é bom ser adolescente”, disse a Duds em um texto maravilhoso sobre ser fangirl e a felicidade genuína que muitos desses grupos despertam na gente. Eu não poderia concordar mais – a Duds sabe das coisas, para muitos assuntos além do k-pop. Assim como ela, amo estar vivendo essa “fase adolescente” agora. Não durante a adolescência em si. Hoje, tempo presente mesmo.

Naquela época eu estava muito mais preocupada em voar abaixo do radar e passar despercebida tanto quanto fosse possível. Meus chaveiros e bottoms só saíam da gaveta para a mochila durante os eventos de anime que frequentava religiosamente. Até então, ser fangirl era um misto de eventos de anime, aulas de mangá, fanfics de Harry Potter, Artemis Fowl e outros. Não que eu não gostasse de música: se você perguntasse para a Yasmin de 15 anos, ela diria que morria e renascia ouvindo as músicas do Death Cab for Cutie, mas estava resignada aos posts no Tumblr já que não existia merchandising acessível nem tampouco uma possibilidade de show no horizonte. Acompanhava de perto a devoção das amigas viciadas em RBD, McFly e tantos anos grupos/bandas/cantores, achando um máximo e pensando que, no fundo, eu também queria isso pra mim.

Se hoje alguém pergunta (na maior parte das vezes em tom de ironia) se estou vivendo uma adolescência tardia, seja pelo cabelo colorido ou pelo entusiasmo com a notificação de tweet novo no perfil do BTS, eu acho graça.

Primeiro porque é ridículo querer diminuir os interesses alheios dizendo que certos assuntos não se encaixam mais na sua faixa etária e combinam mais com adolescentes histéricas. A Taylor estava certíssima quando cantou “when you are young they assume you know nothing” só para, alguns trechos depois, soltar casualmente que já sabia de tudo quando era jovem.

Segundo porque essa pessoa definitivamente não me conheceu na adolescência. Não é como se eu estivesse resgatando sentimentos nostálgicos e confortáveis para conseguir seguir em frente em meio ao caos que o mundo se encontra (ok, talvez seja um pouquinho). O passar dos anos só me deu ainda mais certeza de quem eu sou e hoje, mais do que nunca, me permito simplesmente ser quem eu quiser e gostar do que quiser.

to be nobody but
yourself in a world
which is doing its best day and night to make you like
everybody else means to fight the hardest battle
which any human being can fight and never stop fighting
e.e. cummings

É libertador (e divertido!) curtir BTS ou o que quer que seja, ignorando a faixa etária socialmente imposta. Ainda mais porque a Yasmin de hoje tem muito mais recursos para financiar suas obsessões.

Você quer comer lentilha?

Como fica óbvio pela cronologia da coisa toda, sou uma ARMY (nome dado aos fãs do grupo) bebê, engatinhando e seguindo passos de fã experientes, abrir as portas desse novo universo. Já tinha ouvido músicas do grupo e lembro de ter viciado por uns dias em Burning Up (Fire) com um cover de Loona, mas foi só em 2020 que me dediquei a ir além de playlists do Spotify.

Assisti a vídeos sobre a cronologia, personalidades de cada membro, prestei atenção nos clipes, fui atrás de traduções das letras, me emocionei com performances em shows como se estivesse naqueles estádios. Tudo seguindo o caminho das pedras ao lado da Letícia, obrigada Letícia.

Em muitos momentos, eu realmente quis suspender a realidade e sentar com uma caneca de chá sem me importar com as responsabilidades para consumir todo esse conteúdo. Mais do que suspirar com uma foto publicada no Twitter ou assistir ao mesmo clipe em loop, existe uma conexão instantânea com outras fãs e uma felicidade genuína de fazer parte daquilo que vai muito além da música. Acabou se tornando um espaço para me inspirar em iniciativas grandiosas de apoio a ONGs, ter meus sentimentos acolhidos e redescobrir uma potência criativa dentro de mim.

Mesmo com a rotina atribulada, BTS ainda conseguia encontrar uma brecha em toda e qualquer oportunidade do meu dia a dia. Um dia desses Rodrigo perguntou se eu queria comer lentilha pro almoço enquanto eu trabalhava ouvindo Dionysus. Distraída que sou, meu cérebro processou a pergunta “essa música é das antigas?” e prontamente, respondi “Não, essa música eles lançaram em 2019”.

Ele começou a rir muito, porque sabia que não tinha mais volta. Eu passava cerca de 80% do meu tempo falando sobre BTS e nos outros 20% torcia pra que alguém falasse sobre pra eu poder falar mais.

A definição de aconchego

Tudo isso para falar sobre BE, último disco lançando pelo grupo coreano no dia 20 de novembro – e o primeiro comeback que vivenciei como fã. Ouvir as músicas, passar o dia trocando áudios enormes com a Letícia e retweetando fanarts/gifs é ótimo, mas existe uma emoção ao acompanhar o lançamento desde o comecinho que eu ainda nem sei como colocar em palavras.

E foi assim que comprei meu primeiro álbum físico de k-pop! ? Detalhe: não tenho onde tocar o CD, mas isso é irrelevante…

Para quem esperava um conteúdo mais embasado e coerente, não faltam opções por aí: Pitchfork, Rolling Stones, Buzzfeed News, Teen Vogue… Essa, como vocês já devem ter percebido, é uma resenha caótica, enorme, e cheia de emoções. Até porque, ainda estou processando o impacto de BE e de toda essa experiência de comeback, num geral.

E se fosse para resumir em uma palavra o que senti ao acordar às 5:30 para assistir ao lançamento do single Life Goes On, seria conforto. De fones de ouvido, ainda sonolenta e tentando não acordar o gato Pudim e o Rodrigo enquanto me ajeitava debaixo do edredom sendo o recheio dessa conchinha, acompanhei a contagem regressiva do clipe.

Pode até ser que eu (ainda) não entenda todas as sutilezas como fãs de longa data mas, pra mim, esse comeback já é uma memória muito preciosa. Sorri, chorei e me senti abraçada ao assistir RM, SUGA, J-Hope, Jin, V, Jimin e Jungkook de pijama, amontoamos no sofá dividindo uma pizza. Como se os sete fossem amigos queridos que a pandemia afastou e eu estivesse matando saudades através da tela do computador.

Porque, de certa fora, era isso. Dirigido pelo maknae (integrante mais novo do grupo), Jungkook, o clipe traz uma sensação de intimidade e aconchego sob o olhar de quem cresceu ao lado dos seis integrantes e quer compartilhar com os fãs que eles sabem exatamente como a gente se sente.

Em um dos postais que o grupo divulgou antes do lançamento de BE, com o tema “Dear Army“, RM compartilha que os momentos mais felizes não são grandiosos e sim quando abre seus olhos de manhã para um lindo céu, sente o cheiro do inverno e quando sente a brisa andando de bicicleta. Ele termina perguntando “Querido Army, o que te faz feliz no dia a dia?”

No começo da pandemia, quando ainda estava no Brasil, questionei muito as tentativas de forçar a normalidade e a lógica de eficiência em um cenário tão delicado. Meu trabalho não foi afetado, mas a minha produtividade nunca mais foi a mesma. Foram algumas sessões de terapia para racionalizar a culpa capitalista (pior que a culpa cristã) e, em uma das análises conversamos sobre “o que esse momento tem a nos dizer”. Estava irritada com essa necessidade de interpretar tudo e dar sentido às coisas imediatamente que as redes sociais exaltam, saturando o assunto com publicações rasas sobre “o que a pandemia pode nos ensinar”. Eu ainda reviro os olhos pra esse tipo de conteúdo e vou xingar o novo normal até o fim dos tempos, mas reconheço a importância de registrar essas experiências através da arte e até no nível pessoal (meu diário que o diga).

Life Goes On (e BE, como um todo) foi justamente a forma do BTS expressar que eles também compartilham os mesmos altos e baixos, as mesmas tristezas e frustrações.Mas o grupo vai além dos clichês e retrata sentimentos muito mais complexos que apenas a tristeza e impotência, reforçando a mensagem de que a gente pode aprender a navegar por essas incertezas, juntos. Porque a vida continua.

A segunda faixa, Fly To My Room, é do tipo de música que eu e Rodrigo dançaríamos no quarto abraçados, espantando os sentimentos conflitantes de ter nosso mundo reduzido a um apartamento gelado, num país que não é o nosso. Sorrir apesar dos planos que fracassaram é difícil, mas a gente já fazia isso desde sempre e não é agora que vamos mudar.

Uma das músicas que mais mexeu comigo foi a melancólica Blue & Grey, porque adoro uma música tristinha para chorar e extravasar os sentimentos. De forma suave e até meio poética, a canção materializa o desconforto e melancolia em “uma sombra nebulosa que me engole”. Quem lida com depressão e ansiedade vai se enxergar ali. Apesar de ser mais sutil, a letra também fala sobre aceitar a vulnerabilidade dessas emoções, para seguir adiante e conseguir sorrir lá na frente.

A virada do álbum, que até então tinha músicas mais suaves, é um registro em áudio do dia em que o grupo alcançou o primeiro lugar no Hot 100 da Billboard com seu single em inglês. Skit não é uma música, e sim uma maneira da gente sentir a surpresa e felicidade de cada um quando Dynamite atingiu o topo da Billboard (e lá permaneceu durante três semanas, e mais algumas em segundo lugar). Não precisa entender coreano pra se divertir com eles, mas é ainda melhor se você compreender ou acompanhar a tradução!

A partir daí, as coisas ficam animadas: Telepathy, a quarta faixa do EP, é bem animada e dançante. Praticamente uma irmã Dynamite, pode ser definida como um retropop e carrega uma mensagem fofa: fala sobre a conexão entre BTS e fãs; e do tão aguardado reencontro com o ARMY quando tudo isso passar.

Dis-ease, que vem logo em seguida, é ainda mais animada. Um hip hop old school e contagiante, composto e produzido por J-Hope, termina com elementos que lembram até o samba brasileiro. A letra também é cheia de jogos de palavras, a começar pelo título, e faz reflexões certeiras sobre a pressão do trabalho e a dificuldade de descansar. É outra das minhas favoritas.

Em Stay, música que quase entrou no álbum solo de Jungkook, tem um pézinho no EDM e também fala sobre o reencontro com os fãs. Musicalmente não é muito a minha praia – pelo menos não pra ouvir em casa, lavando a louça ou algo do tipo. Mas com certeza é do tipo de música que eu ia pular até cansar em um show, rindo que nem uma tonta e curtindo cada segundo.

E, para fechar, temos Dynamite. A faixa fecha o mini-álbum com a mesma mensagem de positividade que Life Goes On, de forma muito mais animada. Meio sacode a poeira e a dá a volta por cima, sabe? RM, o líder do grupo, explicou que a decisão de incluir Dynamite foi uma homenagem ao final dos shows e sua energia contagiante com fogos de artifício.

Num geral, o CD todo tem uma sensação aconchegante em todas as suas nuances, da melancólica a rebolante. Dá para convocar uma festa de emergência e dançar sozinha na cama, pra ouvir no escurinho do quarto enquanto encara o teto, pra fechar um dia cansativo no trabalho…

BE é mais do que um dos meus álbuns do ano, é também o início meu amor por Bangtan.

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