encontrei o amor nas minhas amizades femininas

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para ler ouvindo: the record • boygenius

Se eu falar a palavra ‘amor’, qual vai ser a sua primeira associação? Por muito tempo, na minha cabeça vinham imagens de relacionamentos amorosos, casais e famílias. E talvez seja assim pra você também, já que a gente cresce sendo bombardeado pelo estereótipo do amor romântico em livros, músicas e filmes, sem conversar muito sobre o que é de fato o amor e o que ele significa em nossas vidas.

É como se fosse algo dado, inerente ao ser humano em suas relações, e não construído diariamente. A bell hooks tem um livro maravilhoso e que recomendo pra todo mundo chamado “Tudo sobre o amor”, em que ela se debruça sobre o tema de diversos ângulos (nos relacionamentos românticos, na família, nas amizades, na espiritualidade, etc) e reforça que precisamos abandonar a ideia de que o amor é apenas um sentimento e passar a entendê-lo como uma ética de vida.

Por muito tempo, a minha vida girou em torno de relacionamentos românticos – e, erroneamente, me vi priorizando as escolhas e a vida do outro, abrindo mão de partes de mim. Ninguém me pediu ou exigiu, mas porque eu achava que isso era amar. Por muito tempo, enxerguei o amor como um sentimento a ser vivido.

Mas a verdade é que quanto mais eu penso e converso sobre o assunto, mais eu encontro o amor ao meu redor. Nas minhas amizades. Especialmente nas minhas amizades femininas. Existe uma cumplicidade e uma confiança mútuas que me trazem paz – e como a bell hooks diz, “confiança é a pulsação do amor verdadeiro”.

“Nearly everything I know about love, I’ve learnt from my long-term friendships with women.”
– Dolly Alderton, Everything I Know About Love

Minha amiga Maynnara me enviou esse TikTok sobre a banda boygenius e me agradeceu por ter sido a rede de apoio dela, quando ela precisou de mim em um momento da vida dela. Semana passada, amigas do meu emprego anterior se juntaram para me enviar um presentinho surpresa, pra demonstrar o quanto me amam e querem estar por perto na minha vida nesse momento difícil que estou atravessando.

Existe algo de verdadeiramente mágico em estar rodeada de outras mulheres inspiradoras, compreensivas e maravilhosas, mulheres que celebram a sua existência e te apoiam incondicionalmente, abraçando suas vulnerabilidades. Esse tipo de amor, mais platônico e puro me preenche de uma forma que nenhum outro – são elas que consertam meu coração mesmo sem tê-lo quebrado, são meu porto seguro quando preciso desabafar, escutam as mesmas histórias centenas de vezes, escolhem estar ao meu lado. Enfim, são os meus relacionamentos mais saudáveis.

Foi com elas que eu aprendi o verdadeiro significado de amor. E digo tudo isso sem o medo de parecer piegas.

Porque eu sei que essa experiência não é individual: toda a existência da banda boygenius é baseada na convivência, influência e amizade entre as cantoras. Você muito provavelmente gosta ou ao menos conhece boygenius se faz parte do nicho desse blog, mas meu diploma de jornalista não vai deixar essa apresentação passar batida.

O boygenius surgiu em 2018 da amizade e conexão entre três cantoras de indie rock americano: Julien Baker, Phoebe Bridgers e Lucy Dacus (basicamente um Vinngadores: Guerra Infinita do cenário feminino alternativo). Elas saíram em turnê juntas, cada qual tocando músicas da sua carreira solo e, com a convivência (e amizade), surgiu a banda, com seu primeiro EP.

O mais bonito é que, como aquele tiktok menciona, muitas das músicas parecem se complementar, temática e musicalmente. As três colaboraram novamente no álbum the report, lançado em 2023, de forma harmoniosa mas, como uma boa amizade, suas personalidades individuais brilham e se complementam. A capa, não por acaso, é uma foto que mostra a tatuagem de amizade que as três fizeram, inspirada na música de 2018 “Bite The Hand”.

Esse texto não se propõe a ser exatamente uma resenha, mas não deixa de ser também. the report foi um dos álbuns que eu mais ouvi esse ano, e me fez refletir muito sobre como almas gêmeas não precisam ser encontradas apenas em relacionamentos românticos.

A primeira música, “Without You Without Them”, o trio já começa cantando acapella “I want to hear your story and be part of it”. Muitas das músicas são melancólicas, sim, mas elas também . Em “True Blue”, uma das minhas favoritas do álbum, Lucy fala sobre como a gente se torna nossa melhor versão ao lado das pessoas que amamos: “It feels good to be known so well, I can’t hide from you like I hide from myself.” E a música termina com as três cantando “I never thought you’d happen to me.” Em “We’re In Love”, a Lucy Dacus canta novamente, em homenagem às outras duas, “If you rewrite your life, may I still play a part? In the next one, will you find me?”.

Dá pra ver, ao longo do álbum, que cada uma delas tem sua própria história para contar – não é à toa que elas começaram uma turnê juntas, cantando músicas próprias antes de lançarem o primeiro EP, em 2018 –, mas c hega a ser palpável o quanto elas celebram umas às outras, como se conhecem e, apesar dos defeitos e dores, continuam se amando.

E vou além do que disse alguns parágrafos acima: acho que a gente tem várias almas gêmeas por aí, sabe? Que bom que eu encontrei em algumas delas nas minhas amizades femininas.